Direito à saúde ameaçado. E o que farão os tribunais?

April 22, 2018

O direito brasileiro, assim como ocorre em inúmeros outros países e consta de tratados internacionais, consagra o “direito à saúde” como merecedor de proteção especial (ver, p. ex., Constituição Federal de 1988, artigo XXV; e Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, art. 196). O direito à saúde é, portanto, considerado até mesmo como um direito humano, ou seja, um direito entendido como indisponível e inerente a qualquer ser humano. E, sendo indisponível, não poderia ser um direito passível de ser transacionado em mercados como uma simples mercadoria.

A despeito disso, tem se tornado comum a transformação desse direito (o “direito à saúde”) em mercadoria. A “compra” de serviços de saúde com a intermediação dos chamados “planos de saúde” é um exemplo mais do que evidente de que os serviços de saúde são transacionados como mercadoria.

Para além disso, a autoridade com poder de regular os planos de saúde no Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), anunciou que pretende alterar o regime contratual que institucionaliza (ou seja, que torna uma realidade prática, concreta) o direito à saúde de uma enorme parcela da população brasileira. A controvérsia gerada está refletida aqui, aqui e aqui, e está relatada na matéria constante do vídeo abaixo.

 

O que está proposto é uma mudança nas regras sobre a cobrança de preço pelo acesso a serviços de saúde intermediados financeiramente pelos planos de saúde. Portanto, o que a ANS pretende (em alinhamento com o interesse de empresários do setor, que são os donos dos planos de saúde) é criar regras que imporão aos usuários desses planos a Read the rest of this entry »


As duas globalizações, as reformas e o direito no Brasil

November 16, 2016

Como é notório, está em trâmite no Senado brasileiro uma proposta de mudança constitucional, chamada PEC 55 (antes numerada como PEC 241, na Câmara dos Deputados). A medida propõe limitar gastos com programas sociais durante vinte anos, enquanto mantém o mecanismo pelo qual o Estado continuará a remunerar fartamente os rentistas. Como disse o senador Roberto Requião, do mesmo partido do atual governo, trata-se de um esquema para retirar recursos dos mais vulneráveis e necessitados e canalizá-los para os “ricos do Brasil” (ouvir aqui – áudios 5 e 6).

A PEC 55 integra um plano de reformas das instituições econômicas e jurídicas brasileiras. Tais reformas, de um modo geral, seguem as prescrições oriundas de um conjunto de ideias que, desde os anos 1980, tem dado a tônica de políticas de cooperação a cargo de organizações multilaterais da área econômica, tais como o FMI, o Banco Mundial (e outros bancos multilaterais) e, em seguida, a Organização Mundial do Comércio (OMC).

No Brasil, a onda dessas reformas chegou há cerca de vinte anos. De lá para cá, alguns governos procuraram aderir mais amplamente a essa onda, outros seguiram a agenda de reformas de modo menos completo ou até contrariaram-na parcialmente. Definir bem e proteger incondicionalmente o direito de propriedade privada como requisito para o bom funcionamento dos “mercados”, algo hoje criticado por certos economistas (ver exemplo) e juristas (ver exemplo); assegurar o cumprimento de contratos mesmo quando causem malefícios perceptíveis; transformar em propriedade privada os investimentos antes controlados pela coletividade inteira por meio de instrumentos jurídicos do Estado (em áreas como saúde, educação, energia, água, saneamento, transporte, telefonia etc.); esvaziar a política industrial, deixando que o “mercado” faça a “seleção natural” dos investimentos industriais mais aptos a ter sucesso; impedir, mediante limitações ou cortes de gastos não financeiros (mas mantendo sempre os gastos financeiros), que ocorram déficits fiscais; restringir ou suprimir direitos, antes considerados inalienáveis, dos trabalhadores; individualizar o financiamento de pensões de aposentadoria de idosos, subordinando a efetividade do direito correlato (i.e., o direito de receber a aposentadoria) ao prévio aumento das taxas de crescimento do mercado de capitais, o que significa remunerar primeiro os acionistas de grandes corporações comerciais, destinando-se as meras “sobras” eventuais desse processo de acumulação ao pagamento de pensões de pessoas velhas e doentes; cancelar regras de interesse público, local ou transnacional, na área da regulação financeira e favorecer a “autorregulação”; afrouxar ou suprimir regras destinadas a preservar o meio ambiente, sempre que elas parecerem limitar a projeção de lucro de empresas privadas cujos investimentos tragam certos danos ambientais; acabar com o salário mínimo, ou ao menos impedir que ele seja reajustado acima da inflação e seja tomado como indexador de benefícios distribuídos pela assistência social – eis aí algumas das reformas com as quais a PEC 55 está alinhada. Adicionando-se a isso a expansão da tecnologia da informação e a comunicação rápida via satélite, bem como a coordenação transnacional de processos produtivos e a formação de cadeias globais de valor, completa-se o quadro do que muitas vezes ganha o nome de “globalização”.

Mas outros fatos recentes parecem trazer confusão para a mente dos que procuram dar sentido ao rumo dos acontecimentos. Duas democracias admiradas e frequentemente tomadas como modelares disseram “não” à globalização.

Com efeito, as mudanças políticas das quais resultaram a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia (Brexit) e, há poucos dias, a eleição de Donald Trump para ocupar a presidência dos Estados Unidos foram um susto para muita gente. Ambos eventos foram logo apontados pelos defensores da globalização como reflexos dos interesses de populações “atrasadas”, pessoas brancas, de baixa renda, xenófobas, sexistas, de pouca escolaridade, com propensões fascistas e com baixa capacidade de se tornarem verdadeiramente produtivas sob as novas condições da economia mundial. E as comparações com o fortalecimento de movimentos ou partidos de direita na França, Alemanha, Áustria, Leste Europeu, Turquia, não tardaram a aparecer. Argumentou-se, enfim, que Brexit e Trump representam retrocessos para o mundo inteiro, uma vez que atrapalharão o avanço da “globalização”.

Contudo, tal caracterização dos eventos políticos recentes é enganosa. Ela simplifica a

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11m empty homes: the meaning of the lack of legal criticism

February 25, 2014

According to recent news, there are about 11 million empty homes across Europe, while ironically there are also about 4,1 million homeless people in the region.

via The Guardian

The unfairness of this situation seems quite obvious. Yet probably no easy legal fix is at reach. Why? Because many of the most important policies that define the main structures of society Read the rest of this entry »


O direito à saúde visto na perspectiva da AJPE

March 10, 2013

No passado, concebia-se que os direitos subjetivos tinham conteúdos que eram ou metafisicamente dados, ou explicitados no direito objetivo positivado (para uma discussão aprofundada, ver aqui). Hoje, percebe-se que os conteúdos dos direitos subjetivos são cambiantes, são — por assim dizer — “direitos em fluxo”, com conteúdos impactados e em parte determinados por várias influências (ver exemplo aqui), entre as quais ressaltam as decorrentes da política econômica.

A Análise Jurídica da Política Econômica (AJPE) pretende debruçar-se sobre essa realidade focalizando a fruição de direitos humanos e fundamentais. Um exemplo de trabalho que avança nessa direção é a pesquisa de Albério Lima, Elaine Xiol e Paulo Sampaio, atuais membros do Grupo Direito, Economia e Sociedade (GDES), que se interessaram pelo direito à saúde no Brasil. Abaixo está uma apresentação sumária de suas preocupações e objetivos.

Título: Desigualdade, Federalismo e o Direito à Atenção Básica em Saúde: Uma Análise Jurídica da Política Nacional de Atenção Básica em Saúde nos Municípios de Águas Lindas de Goiás e Santo Antônio do Descoberto

Autores: Albério Lima, Elaine Xiol e Paulo Sampaio

A política de saúde, no Brasil, tem-se caracterizado por grande heterogeneidade na disponibilidade de recursos de infraestrutura, medicamentos e equipes de saúde. Porém,  deficiências em assegurar aos cidadãos um serviço público de saúde adequado (ver exemplo aqui) perpetuam as desigualdades na fruição de um dos direitos fundamentais mais essenciais da Carta Política, corolário do direito à vida.

A Constituição Brasileira tem entre seus objetivos fundamentais a redução de desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), e enuncia o Direito à Saúde como direito fundamental de cada indivíduo, sendo responsabilidade do  Estado prover a fruição de tal direito, assegurando o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196) por meio de políticas sociais e econômicas para a redução do risco de doença e de outros agravos.

Nesse contexto, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve proporcionar, Read the rest of this entry »


Panelaço em Montréal (e protestos semelhantes): qual seu significado para juristas?

May 27, 2012

Muitos já protestaram, recentemente, contra os efeitos de políticas públicas, incluindo aí (em vários casos, com destaque especial) a política econômica. Na Inglaterra e França, na Espanha, em Israel, nos Estados Unidos, no Chile etc. Em todos os casos, a fruição de direitos pela classe média está em jogo, embora nem sempre a linguagem dos direitos seja usada. Agora, chegou a vez dos cidadãos do Québec. O vídeo abaixo (via BoingBoing) mostra o panelaço desta semana (24-mai-2012), na cidade canadense.

Frequentemente, talvez até preponderantemente, os argumentos para reforma de muitas políticas públicas é econômico. Mas os efeitos de várias dessas reformas inviabiliza Read the rest of this entry »


Reformadores ‘alternativos’ emergem dos protestos em Israel: com que chances de mudar a realidade?

August 16, 2011

Os recentes protestos de rua dos israelenses contra o alto custo de vida e contra a política econômica do atual governo tem convulsionado a sociedade local (ver aqui e aqui).

Desses protestos, ao que parece, emergiu ontem (15-ago-2011) um time de acadêmicos e figuras públicas que promete propor reformas alternativas às que foram encomendadas Read the rest of this entry »


Especulação financeira prejudica fruição de direitos: novo exemplo

April 24, 2011

Desde a crise das hipotecas subprime no mercado imobiliário dos EUA (ver aqui), tornou-se patente o papel nefasto, e talvez até irresponsável, da atuação das chamadas Agências de Classificação de Risco (ACRs), tais como a Moody’s e a Standard and Poors’s. A necessidade da regulamentação da atividade das ACRs tem sido reconhecida (ver aqui e aqui), e práticas fraudulentas por elas perpetradas, ou excessivamente encobertas de sigilos injustificáveis, têm sido denunciadas (ver aqui e aqui). Até mesmo entidades como o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem procurado sugerir que as ACRs Read the rest of this entry »


O futuro das liberdades: representante de partido anti-patentes é eleito

June 8, 2009

Tem sido ressaltada neste blog a importância das discussões sobre o direito da propriedade intelectual (PI) e suas relações com a economia (em rede), o avanço científico e o desenvolvimento (ver matéria e links aqui; ver também links dos comentários).

Sobre a mesma temática, vale registrar o fato de que o chamado “Partido Pirata”, formado na Suécia a partir do movimento anti-propriedade intelectual naquele país, elegeu um representante Read the rest of this entry »


Pesquisa estudará o acesso a medicamentos

August 6, 2008

Foi publicada, no blog Supremo Tribunal em Debate, com o título “A reserva do possível e os laboratórios”, matéria a respeito de uma nova pesquisa sobre quais são os determinantes empíricos das demandas judiciais relativas ao acesso a medicamentos no Rio Grande do Sul (ver aqui – agradecimentos a João Telésforo pela indicação). A pesquisa resultará de uma parceria entre a Universidade de Princeton, a Universidade da Pensilvânia e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Segundo a matéria, que repercute notícia do jornal Valor Econômico, a pesquisa pretende “buscar as verdadeiras causas [das demandas], por exemplo, a pressão dos laboratórios”. A matéria esclarece:

“A demanda expressiva pelo fornecimento de medicamentos na Justiça gaúcha chamou a atenção de estudiosos estrangeiros. A partir de agosto, o Rio Grande do Sul passará a ser objeto de estudo de antropólogos da Universidade de Princeton, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, que têm o objetivo de mapear as ações judiciais no Estado e entender a razão do fenômeno. A universidade custeará por um ano, em parceria com a Universidade da Pensilvânia, uma pesquisa-piloto de uma equipe mista de alunos americanos e estudantes brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).”

Como se vê, a pesquisa se diferencia do esforço de oferecer uma pura construção abstrata do “direito à saúde”, como se fosse um direito metafísico, e será beneficiada por uma abordagem interdisciplinar.

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Ver neste blog matérias correlatas:


Direito à saúde e comércio

June 17, 2008

Ana Paula Jucá* oferece comentários sobre desdobramentos recentes na área referente às relações entre (a) o regime de propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC), conhecido como TRIPS, e (b) a proteção do direito à saúde, especialmente em países em desenvolvimento. Eis a sua contribuição.

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou em sua Assembléia Mundial, realizada em maio de 2008, um texto que determina uma “Estratégia global e um plano de ação para tratamento dos temas de inovação, saúde pública e propriedade intelectual”. A “estratégia global” e o “plano de ação” resultaram de dois anos de negociações conduzidas por um grupo de trabalho (o Working Group on Public Health, Innovation and Intellectual Property) criado no âmbito daquela Organização, conhecido por sua sigla em inglês, IGWG.

Várias críticas têm sido feitas ao documento aprovado pela OMC (ver exemplos aqui e aqui). De qualquer modo, o documento contém algumas conquistas conceituais que deverão servir de marco de referência para o tratamento da complexa relação entre a saúde pública e a propriedade intelectual. Nesse sentido, o documento pode ser considerado, por sua abrangência e substância, um avanço em relação ao conteúdo da “Declaração de Doha“, adotada pela OMC em 2001 (ver também aqui).

Alguns pontos importantes abrangidos pelo documento reconhecem o seguinte: Read the rest of this entry »


Tributos, superávit e direitos

December 14, 2007

Com a negativa do Congresso brasileiro em manter em existência o tributo conhecido como CPMF, o Ministério da Fazenda, segundo notícias, cogitou reduzir o superávit primário, a fim de recompor, nos níveis de equilíbrio desejados, o orçamento público, sem maiores reduções de despesas ou expressivos aumentos de impostos.
Contudo, ao que parece, o Presidente da República, sob a influência do ex-ministro Antonio Palocci, ordenou a manutenção da meta de superávit primário.

Como se sabe, a manutenção de um superávit primário em torno dos 4%, no caso do Brasil, pertence ao conjunto de medidas do agrado de entidades internacionais como o Read the rest of this entry »


O crédito público e os direitos

October 7, 2007

Recentemente, o Presidente da República defendeu a existência de bancos estatais (ver aqui). O que pensar sobre isto, a partir de uma perspectiva jurídica preocupada em assegurar que as instituições econômicas sejam organizadas de modo oferecer a todos os cidadãos meios efetivos de gozar dos direitos fundamentais?

A resposta a esta pergunta conduz à reflexão sobre as relações entre o crédito financeiro e o gozo dos direitos.

Como se sabe, na economia de mercado, é difícil pensar que Read the rest of this entry »


Reforma da previdência: direitos de pensionistas serão mais incertos

September 8, 2007

Tem sido noticiado que o governo brasileiro pretende continuar a reforma da previdência social (ver aqui). Mas é preciso esclarecer que a idéia básica da reforma implica em relativizar em parte o direito à pensão, subordinando-o às oscilações especulativas dos mercados financeiros.

O esquema como um todo prevê: Read the rest of this entry »


O papel dos tribunais na implementação dos direitos sociais: exemplos da África do Sul e outros países

August 21, 2007

Marcelo Rebello Pinheiro* desenvolve pesquisa sobre a efetivação dos direitos sociais, que pertencem ao campo mais amplo dos chamados direitos econômicos sociais e culturais (DESCs), muitos dos quais são especificados como Direitos Humanos em tratados internacionais (ver exemplo aqui). Esses direitos (DESCs) são também parte das formas jurídicas das políticas sociais, cujo orçamento é freqüentemente contingenciado em vista de objetivos governamentais na área da política macroeconômica (por exemplo, corte de despesas sociais para evitar pressões inflacionárias).

O interesse de Marcelo recai sobre os desafios representados pelos obstáculos aos chamados direitos sociais “prestacionais”, como o direito à educação ou à saúde, que, para serem gozados, necessitam de prestações desempehadas pelo Estado. Motivado pela discussão a respeito dos impactos das decisões judiciais sobre os orçamentos públicos, Marcelo oferece as considerações a seguir. Read the rest of this entry »


Judiciário, orçamento público e o desafio da quantificação de direitos

August 11, 2007

No Brasil e em outros países (ver abaixo) têm gerado controvérsia as decisões de juizes tomadas para assegurar o gozo de direitos sociais, muitos dos quais são protegidos sob o direito constitucional e sob tratados internacionais de direitos humanos. Como se sabe, tais direitos (à saúde, educação, moradia etc.) correspondem também a políticas públicas — denominadas “políticas sociais” — adotadas pelos governos em benefício da população.

Contudo, em muitos casos, o efetivo gozo dos direitos sociais provoca um aumento dos gastos públicos, a fim de que sejam supridas necessidades tais como: construção ou manutenção de escolas, Read the rest of this entry »


Variação de preços e gozo de direitos

June 8, 2007

Foi anunciada hoje (08 de junho de 2007) pela Agência Nacional de Saúde (ANS) a aprovação do teto de 5,76% para o reajuste dos preços dos planos de saúde.

Segundo a ANS, o índice não objetiva a recomposição de custos, mas reflete uma “média de mercado”. Isto significa que o índice expressa uma média de preços praticados por operadoras em planos coletivos. A ANS afirma que, sendo adotado o teto, “o segmento com menos condições de concorrência (pessoas físicas) adquire o poder de negociação do segmento de contratos coletivos”. Read the rest of this entry »


Direitos em fluxo: o exemplo da propriedade intelectual

April 14, 2007

No imaginário de muitos (juristas e não-juristas) perdura a idéia de que os direitos são referenciais normativos de caráter descontextualizado e absoluto. Nada pode ser mais distante da realidade em que vivemos e sobre a qual se interessa a “Análise Jurídica da Política Econômica” (AJPE)

Nos séculos 17 e 18, não era incomum caracterizar os direitos como pertencentes à ordem natural das coisas. Essa “naturalização” dos direitos recaía, estranhamente, sobre ideais que se referiam ao conceito abstrato de “indivíduo”, deixando de lado as inúmeras e variadas relações entre os indivíduos. O conceito, também abstrato, de “contrato social” era considerado suficiente para se imaginar que a ordem social seria o resultado de um acordo de vontades de indivíduos livres e razoáveis.

Pouco depois, sob o positivismo jurídico, “direito” passou a significar o que está definido como tal pelo legislador.

Hoje, a experiência mostra que os direitos existem (ao menos desde o período após a Segunda Guerra Mundial — ver aqui, pp. 50 et seq.) em estado de “fluxo” e que a determinação de seu conteúdo freqüentemente resulta de complexos processos políticos, administrativos, tecnológicos, econômicos, sociais (às vezes envolvendo a religião), judiciais etc., tanto locais quanto internacionais.

Na dinâmica desses processos, atuam grupos de interesse, locais e transnacionais, que contribuem para a fragmentação do sistema internacional em múltiplos — e frequentemente contraditórios — “regimes” (ver mais sobre isto aqui). Além disso, há disputas políticas na formação desses regimes. A fragmentação e os conflitos de interesse que a alimentam têm repercussões sobre a determinação do conteúdo dos direitos em diversos países.

Um exemplo pode ser dado com o direito de propriedade intelectual (e seus reflexos sobre o “direito à saúde”). Read the rest of this entry »