Política, Direito e Economia: Confronto de Ideias

A abordagem jurídica sobre temas econômicos desenvolvida sobretudo por professores da Universidade de Chicago, que ficou conhecida como Law and Economics (ou “Direito e Economia” – doravante, D&E), desde os anos 1960-70 passou a ser prestigiada por políticos conservadores nos EUA e pelo Partido Republicano desse país. Um movimento acadêmico – o movimento D&E – formou-se a partir daí e passou a contar com recursos oferecidos por fundações filantrópicas conservadoras. Esforços desse movimento resultaram em apoios financeiros distribuídos durante muitos anos a diversos programas acadêmicos de múltiplas universidades estadunidenses (ver aqui). Assim se deu a criação, inclusive, de um influente curso (embora de curta duração) dedicado a instruir juízes federais dos EUA acerca do D&E e a convencê-los a decidir processos judiciais à luz dos critérios conceituais e analíticos da abordagem D&E. O curso tem o nome Henry G. Manne Program in Law & Economics Studies da George Mason University, localizada no estado da Virgínia.

Não custa lembrar que decisões judiciais tomadas com base nos critérios da perspectiva D&E, ao combinarem o conceito de “custos de transação” com a chamada “análise de custo-benefício” (ver aqui), tendem a favorecer os interesses de grupos de investidores (em especial, grandes empresas) em detrimento dos interesses de cidadãos comuns, frequentemente obliterando a efetividade de direitos fundamentais destes últimos, incluindo nas áreas de educação, saúde, moradia e muitas outras. Articulações e iniciativas de conservadores alinhados com o Partido Republicano têm aproveitado este “viés” do movimento D&E para influenciar o processo de escolha de juízes (inclusive da Suprema Corte dos EUA) e obter a nomeação de julgadore/as inclinados a decidir de acordo com valores do partido (ver aqui) e, sempre que possível, consoante os entendimentos da perspectiva D&E. 

Em contraponto a esses eventos, desde 2017, no plano acadêmico, um grupo de professores de direito da Universidade de Yale passou a se articular para organizar um movimento entre cujos objetivos inclui-se o de oferecer críticas às ideias propagadas pelo movimento D&E e à literatura produzida por seus adeptos. O grupo de Yale, autointitulado “Law and Political Economy” ou LPE (Direito e Economia Política – doravante D&EP) (ver aqui), em pouco tempo formou uma rede de pesquisadores e estudantes em várias universidades dos EUA (exemplos aqui e aqui) e tem procurado se expandir na Europa (ver aqui) e também na América Latina (ver aqui). Além disso, o D&EP mantém um blog muito ativo e lançou um periódico acadêmico online onde os mais variados assuntos são analisados e debatidos de modo a explorar não apenas as possibilidades de tratamento jurídico das questões abordadas, mas também ressaltar a sua dimensão econômica e os significados políticos que lhes são inerentes. E, incidentalmente, vale observar que o autor do “manifesto” de lançamento do movimento D&EP, K. Sabeel Rahman, teve importante atuação no processo de reforma do padrão de regulação da economia, que resultou na adoção da chamada “Circular A-4” pelo governo de Joe Biden, do Partido Democrata. A reforma deixou de dar ênfase a ideias alinhadas com o movimento D&E e adotou outras, caras ao movimento D&EP (ver aqui).

Por outro lado, é digno de nota que Samuel Moyn, um dos autores de referência para as discussões de teoria jurídica contemporânea nos EUA, tenha recentemente chamado atenção para o que lhe parece ser uma característica dos debates no âmbito do movimento D&EP: a deficiência em apresentar uma construção teórica mais coesa e clara, já que são múltiplas e pouco coordenadas as direções de formulação conceitual em que ideias e argumentos são defendidos por autore/as vinculados ao movimento (ver aqui).

Diante desses fatos, não deixa de ser interessante que, recentemente, o Henry G. Manne Program in Law & Economics Studies tenha lançado um convite aos interessados para que apresentem em 2024 trabalhos/projetos de pesquisa que ajudem na confrontação entre sua abordagem preferida (D&E) e o “desafiante” D&EP. No convite (ver aqui), a instituição da Virgínia oferece 12 mil dólares para pesquisadore/as cujas propostas forem selecionadas. A iniciativa pode contribuir para estruturar melhor o debate, hoje um tanto difuso, entre os apoiadores das ideias propagadas pelo movimento D&E e seus críticos. A conferir.

Como todo/as sabem, a pauta de pesquisa e formulações do GDES-FD-UnB têm orientação crítica de ideias jurídicas desenvolvidas pelo movimento D&E e outras (ver este livro, Introdução). Por isso, seu/uas pesquisadore/as merecem estar atentos às discussões desenvolvidas pelos adeptos do movimento D&EP e sua orientação também crítica não apenas de formulações econômicas que ignoram a importância econômica e política das instituições, mas também de discussões jurídicas que deixam de levar em consideração como os “mercados” são juridicamente estruturados e como seus efeitos, inclusive os nefastos (desigualdade, deterioração do meio ambiente etc.), são produzidos com o auxílio de regras, princípios e instituições jurídicos em vigor nos mais variados países e no direito internacional.

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