Estados Unidos Mudam Padrão Regulatório da Economia

Ontem (06 de abril de 2023), a Casa Branca anunciou a adoção de medidas para atualizar o padrão da regulação da economia exercida por agências administrativas (como FCC, EPA, FDA, NTSB etc. etc.). O anúncio tem o título: “Strengthening Our Regulatory System for the 21st Century” (Reforçando Nosso Sistema de Regulação para o Século 21). Esse anúncio apresentou, também, um documento divulgado provisoriamente e denominado “Circular A-4”. Este último documento contém diretrizes razoavelmente detalhadas sobre um novo padrão regulatório para as agências administrativas dos Estados Unidos.

As novas diretrizes são muito importantes, pois se articulam em torno de ideias que deixam para trás a ênfase nas virtudes da chamada “análise de custo-benefício”, tal como incorporada e promovida pela abordagem conhecida como “Law and Economics” (Direito e Economia – D&E), uma abordagem que foi academicamente prestigiada sob a liderança da universidade de Chicago e transmitida à prática da regulação nos EUA ao menos desde a chamada Ordem Executiva nº 12291, de 1981 (OE 12121), adotada sob a presidência de Ronald Reagan. Da mesma perspectiva conceitual subjacente à OE 12121, derivou também a chamada “Análise de Impacto Regulatório”, promovida mundialmente pela OCDE. Com a Ordem Executiva 12866 de 30 de setembro de 1993 (OE 12866), adotada sob o governo Bill Clinton, a importância da análise de custo-benefício com as características advindas da  D&E foi na prática mantida, como pode ser percebido com base na leitura do trecho a seguir transcrito, constante dessa OE 12866, que trata da “Filosofia e Princípios Regulatórios”:

“Ao decidir se e como regular, as agências devem avaliar todos os custos e benefícios de alternativas regulatórias disponíveis, incluindo a alternativa de não regular.”

A “Circular A-4” contém várias ideias que apontam para importantes inovações no padrão regulatório. São, portanto, mudanças que deverão passar a ser seguidas pelas agências administrativas estadunidenses a partir de agora. Entre ideias novas estão, por exemplo, recomendações de que, além de analisar impactos distributivos de novas regulações de lege ferenda, as agências considerem também os resultados possíveis relacionados à promoção de valores democráticos e à preservação de direitos fundamentais (civil rights). As agências deverão também valorizar a “promoção da justiça distributiva e da equidade” (promoting distributional fairness and advancing equity) (pág. 16), como ainda deverão considerar os interesses de gerações futuras (pág. 80). O texto da Circular A-4 também tem linguagem recomendando que as agências se preocupem com a promoção da dignidade das pessoas (p. 20). Além disso, a ênfase anterior no conceito de “falhas de mercado” (market falilures) é bem diminuída, devendo de agora em diante serem consideradas também as “falhas de instituições públicas” (failure of public institutions) e seus efeitos.

Enfim, as diretrizes ontem anunciadas apontam para uma nova era nas práticas regulatórias dos EUA. E, aparentemente, as preocupações dos autores das novas diretrizes, têm importantes convergências com as que motivam os trabalhos e a formação da agenda de pesquisa da AJPE, refletidos nas publicações disponíveis aqui.

Há vários outros pontos de inovação conceitual inerentes às mudanças agora promovidas, que poderiam ser mencionados e que podem ser percebidos com uma leitura atenta da Circular A-4. Contudo, até que ponto as mudanças realmente avançarão no plano da prática, obviamente, é uma questão em aberto. Mas as novas diretrizes são um sinal de uma importante reorientação conceitual no campo do pensamento sobre a regulação da economia. As inovações que marcam essa reorientação contrastam muito claramente com o padrão que, desde a década de 1980, marcou esforços empreendidos para realizar as chamadas “reformas pro-mercado” (sobre as quais, ver págs. 91 et seq. deste texto), por vezes também chamadas de “neoliberais”.

Com base no que foi proposto pelo atual governo dos EUA, não é ocioso esperar que preocupações e reclamos de populações inteiras mundo afora (incluindo no que se refere a temas como os da mudança climática, aumento da desigualdade, emergências sanitárias associadas a pandemias, efeitos perniciosos de novas tecnologias etc.) – talvez agora tenham mais chances de serem enfrentados de modo a não apenas proteger “mercados” abstratamente concebidos, mas também as aspirações de grandes massas de pessoas que enfrentam adversidades, às vezes extremas (p. ex., a fome, a ignorância, a pobreza), advindas da dinâmica global da economia contemporânea.

One Response to Estados Unidos Mudam Padrão Regulatório da Economia

  1. […] Em contraponto a esses eventos, desde 2017, no plano acadêmico, um grupo de professores de direito da Universidade de Yale passou a se articular para organizar um movimento entre cujos objetivos inclui-se o de oferecer críticas às ideias propagadas pelo movimento D&E e à literatura produzida por seus adeptos. O grupo de Yale, autointitulado “Law and Political Economy” ou LPE (Direito e Economia Política – doravante D&EP) (ver aqui), em pouco tempo formou uma rede de pesquisadores e estudantes em várias universidades dos EUA (exemplos aqui e aqui) e tem procurado se expandir na Europa (ver aqui) e também na América Latina (ver aqui). Além disso, o D&EP mantém um blog muito ativo e lançou um periódico acadêmico online onde os mais variados assuntos são analisados e debatidos de modo a explorar não apenas as possibilidades de tratamento jurídico das questões abordadas, mas também ressaltar a sua dimensão econômica e os significados políticos que lhes são inerentes. E, incidentalmente, vale observar que o autor do “manifesto” de lançamento do movimento D&EP, K. Sabeel Rahman, teve importante atuação no processo de reforma do padrão de regulação da economia, que resultou na adoção da chamada “Circular A-4” pelo governo de Joe Biden, do Partido Democrata. A reforma deixou de dar ênfase a ideias alinhadas com o movimento D&E e adotou outras, caras ao movimento D&EP (ver aqui). […]

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