Classificação de risco: necessidade de sua regulamentação

Em trabalho jurídico, Thiago Jabor* analisa a atuação das chamadas agências de classificação de risco, tais como a Ficht Ratings e a Standard & Poor’s. Abaixo estão algumas passagens do trabalho:

“Em maio de 2007, os jornais noticiaram que a agência de classificação de risco Fitch Ratings elevou a avaliação de crédito soberano do Brasil, de BB para BB+. Essa alteração deixou o país a um nível de alcançar o chamado “grau de investimento”, chancela dada aos países em que a agência considera seguro investir. As notícias destacaram que a nova classificação foi recebida com euforia, e qualificada pelo Secretário do Tesouro Nacional como uma conquista significativa.

A classificação “grau de investimento” dada a um país equivale a uma recomendação de investimento, e reflete a percepção dos analistas de que são mínimos os riscos de interrupção do pagamento da dívida ou de uma moratória do devedor. Ao ser assim avaliado, o país em geral passa a ter acesso a linhas de crédito mais atraentes no mercado internacional, podendo obter melhores condições e juros mais baixos em seus empréstimos. […]

As grandes responsáveis pela emissão dessas avaliações são as agências internacionais de classificação de risco, empresas privadas que operam globalmente, conectadas a instituições financeiras, bancos de investimento e bolsas de valores. Diariamente, analisam e ranqueiam os mais diversos instrumentos de crédito, avaliando e classificando o nível de confiança que o mercado pode depositar na capacidade de empresas e países de cumprirem suas obrigações financeiras. Atualmente, o mercado mundial é dominado por três dessas agências: Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch Ratings que, juntas, detêm cerca de 94% do mercado.

A definição dos critérios de avaliação utilizados por essas agências é feita de forma privada, com métodos muitas vezes protegidos por direitos de propriedade intelectual, sem qualquer controle ou transparência. Acrescente-se a isso o fato de que o mercado em que atuam apresenta elevado grau de concentração, e que não existem instrumentos regulatórios internacionais que delimitem o escopo de atuação dessas agências. […]

Dada a importância dos serviços prestados pelas agências internacionais de classificação de risco, e a profundidade dos efeitos de suas avaliações sobre a disponibilidade de crédito e a capacidade dos países de definirem suas políticas macroeconômicas, [é] surpreendente que inexistam esforços concentrados para regular juridicamente as atividades de tais agências por parte dos Estados e dos organismos internacionais econômicos formados por entes estatais […]

Em âmbito internacional, a única iniciativa de formulação de princípios e regras para regular o funcionamento das agências de classificação de risco não partiu dos atores mencionados, mas da IOSCO – International Organization for Securities Commissions (“Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários”), organização que congrega as Comissões de Valores Mobiliários de diversos países. É relevante notar que a IOSCO é uma organização privada, que se desenvolveu a partir de uma associação surgida em Quebec, no Canadá, em 1984, e que ganhou relevância no mercado internacional ao longo dos anos.

Em dezembro de 2004, a IOSCO divulgou o seu Code of Conduct Fundamentals for Credit Rating Agencies (IOSCO Code), estabelecendo padrões de [trabalho] recomendáveis para essas entidades. Dentre outros assuntos, o Código trata da qualidade e integridade das avaliações, das situações de conflito de interesses, da transparência na divulgação das informações e da independência dos analistas. O desenvolvimento do Código foi resultado processos e discussões internas no âmbito da organização, que definiram os critérios importantes e os formataram em um conjunto de diretrizes a serem seguidas pelas agências.

Uma das características principais do Código é seu caráter não obrigatório. Ou seja, sua adoção por parte das agências é voluntária, e não existe qualquer sanção ou desvantagem formal em não adotá-lo. Não obstante, em relatório produzido em fevereiro de 2007, a IOSCO concluiu que as principais agências de classificação de risco do mundo, incluindo as três principais agências acima citadas, adotaram Códigos de Conduta praticamente idênticos ao modelo divulgado. […]

[N]o caso da IOSCO e seu Código, é simples verificar como se dá esse processo [de classificação]. Uma união das Comissões de Valores Mobiliários de diversos países negocia e acorda em um conjunto de princípios aplicáveis às atividades de agências internacionais de classificação de crédito. Ao assim agirem, essas Comissões atuam livres de qualquer controle por parte das populações ou dos mecanismos democráticos de seus países de origem, determinando seus posicionamentos de acordo com os interesses de agentes burocráticos especializados. Desse processo de negociação, surgiu um Código que foi amplamente adotado pelas agências, e que orienta a atividade de classificação de risco. A partir desse Código, essas agências [passam a] gerar índices e avaliações que afeta[m] diretamente a vida das populações dos países, que […] não tiveram qualquer participação no processo que o gerou. […]

[A]o privilegiarem uma política econômica baseada no crescimento de despesas internas, redirecionando recursos para consecução de objetivos redistributivos, em detrimento do pagamento de suas obrigações internacionais, os países tendem a obter classificações menos favoráveis, dificultando o acesso ao crédito no mercado internacional. Nesse caso, compromete-se até mesmo a capacidade do Estado de continuar promovendo políticas sociais, para cujo custeio não podem se valer somente dos apertados orçamentos nacionais, necessitando recorrer ao crédito.

[Portanto], as avaliações das agências internacionais de classificação de risco afetam o gozo de direitos sociais, econômicos e culturais por parte das populações, especialmente nos países em desenvolvimento, já que causam forte influência nas políticas econômicas adotadas e determinam a quantidade de recursos financeiros disponíveis para que esses países implementem políticas que garantam e expandam esses direitos.

A saída para esse problema pode estar na modificação do regime regulatório internacional aplicado às agências de classificação de risco.[…]”

Os comentários acima suscitam o relevante questionamento jurídico sobre a necessidade de que a atuação das agências de rating esteja sujeita a regulação internacional, que efetivamente incorpore o interesse público. A regulação financeira privatizada, como já apontado, certamente não é o melhor caminho.

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* Thiago Jabor, advogado no Distrito Federal, é mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e membro do Grupo “Direito, Economia e Sociedade”.

Algumas referências citadas por Thiago Jabor:

CASTRO, Marcus Faro de. “Instituições Econômicas: Evolução de Seus Elementos Constitucionais da Sociedade de Mercado”. Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n° 6, jul/dez 2006.

CHAMPSAUR, Amélie. “The Regulation of Credit Rating Agencies in the U.S. and the E.U.: Recent Initiatives and Proposals“. LL.M. Paper. Harvard Law School. Seminar in International Finance. May 2005.

HILL, Claire A. “Regulating the Rating Agencies”. Washington University Law Quarterly. Vol. 82, Issue 1, 2004. p. 43-95.

7 Responses to Classificação de risco: necessidade de sua regulamentação

  1. […] de atores privados, tais como as Agências de Classificação de Risco (ACRs) (ver discussões aqui e aqui; ver também estudo recente sobre as operações duvidosas das ACRs aqui; ver exemplos de […]

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  2. […] vezes inclusive secretos, protegidos por normas de propriedade intelectual (ver aqui, aqui e aqui). É um absurdo: o Banco Central fica eufórico ao ganhar o investment grade segundo critérios que […]

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  3. […] Poors’s. A necessidade da regulamentação da atividade das ACRs tem sido reconhecida (ver aqui e aqui) e práticas fraudulentas por elas perpetradas, ou excessivamente encobertas de sigilos […]

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  4. […] agência de classificação de risco, Standard&Poor’s, rebaixou ontem (05-ago.-2011) a nota da economia dos Estados Unidos […]

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  5. […] muitas vezes inclusive secretos, protegidos por normas de propriedade intelectual (ver aqui, aqui e aqui). É um absurdo: o Banco Central fica eufórico ao ganhar o investment grade segundo critérios que […]

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  6. […] muitas vezes inclusive secretos, protegidos por normas de propriedade intelectual (ver aqui, aqui e aqui). É um absurdo: o Banco Central fica eufórico ao ganhar o investment grade segundo critérios que […]

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  7. […] país. Além disso, segundo explicam o professor Marcus Faro de Castro e o advogado Thiago Jabor (aqui, aqui, aqui e aqui), as chamadas agências de classificação de risco não passam de empresas […]

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