Sobre os chamados “custos de transação”

November 29, 2021

No dia 05 nov 2021, M. F. de Castro participou como palestrante de um seminário virtual sobre instituições de Direito, no Programa de Pós-graduação em Direito da UFRJ.

Em nota posterior, compartilhada no dia 07 nov 2021, o palestrante ofereceu um comentário suplementar à resposta dada a uma questão sobre “custos de transação”. A seu ver, alguns esclarecimentos adicionais seriam úteis para os participantes da atividade. Tendo em vista que os comentários suplementares podem ser de interesse dos membros do GDES, estão reproduzidos abaixo.

“[R]efiro-me ao que escrevi em meu livro (Castro, 2012) (…) (p. 206-209). Como penso ter deixado claro nesse texto, e ainda enfatizando alguns aspectos do que está dito ali, é possível tomar os ‘custos de transação’ (CTs), na abordagem de Coase e no uso que subsequentemente dela se fez, como autênticos ‘malefícios’ decorrentes de algum investimento, uma ideia parecida com a noção de ‘externalidades negativas’, da Economia do Bem-estar. O exemplo, discutido por Coase em resposta a Pigou, sobre o trem que incendeia florestas é cristalino. Ora, é possível perceber que, na discussão de Coase, os malefícios decorrentes de investimentos lucrativos devem ser tratados como meros custos operacionais dos mesmos investimentos, devendo por isso [segundo o argumento de Coase] receber o beneplácito de juristas que se defrontem com situações litigiosas emanadas da situação prática gerada a partir de reações das vítimas dos malefícios. Rebatizar os malefícios, dando-lhes o nome de ‘custos de transação’, opera uma brutal transformação semântica, que a meu ver deve ser criticada. A AED (estilo Chicago) tipicamente emprega a Análise de Custo-Benefício (ACB), adotado o pressuposto de que tal cálculo poderá indicar se, em decorrência de regras (jurídicas) de organização institucional da economia, ocorre, ou não, uma diminuição dos custos de transação. Quanto maior a proporção em que os CTs sejam ‘diminuídos’, em uma situação concreta, tanto mais pesado será o ônus econômico imposto à(s) vítima(s) dos malefícios causados pelo investimento (p. ex., poluição, mudança climática, aumentos na onerosidade da assistência médica, para os adquirentes dos planos de saúde, e inúmeras outras formas de precarização dos direitos fundamentais). A decisão judicial que adote a AED tenderá, portanto, a ser um meio de impor graves ônus às vítimas de malefícios gerados por investimentos que sejam lucrativos para os investidores. A chamada ‘Análise de Impacto Regulatório’ (AIR) — incorporada à Executive Order 12291 do presidente Ronald Reagan em 1981 e em seguida promovida globalmente pela OECD, além de replicada no Brasil via Decreto 10411/2020 e a lei que menciona — constitui um desdobramento da visão expressa na teoria dos CTs tal como articulada pela AED.”

À luz do que vai acima, parece claro que juristas não devem deixar-se levar pela insistência de certas autoridades econômicas em aplicar acriticamente o cálculo de custo-benefício em inúmeras situações.